quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Cauda & Efeito



rio sorrio sou leito de rio
que corre lento vou ao céu encontro
claro sorriso sol de domingo

domino contenho o defeito & a causa
efeito cascata queda de êxtase
rede moinho de águas passadas

sonho acordado mesmo dormindo
opaco e vago o lume da memória
implume pensamento que se arrasta

basta a inglória fuga tentativa
viva intenção de querer reviver
bem a quilo que quando acordo

mal mal invento o que nem bem recordo


Sagrada doutrina


caiu em mim
o fruto de tua nudez
a casca de pele clara
e os músculos
e semente de pêlos
que não abandonaram
somente vestes
mas leis e amarras

pois quis o amor
ensinar-te outra doutrina


Construção civil




construí um poema
com tijolo argamassa
e seiva de alfazema

aprumei a métrica
preguei estrofes
reboquei sonetos
calfinei sem rima

e pintei com mel
as paredes
de meu dia
 
 

Rotaleatória


I
rota seca

rabisquei minha rota
na palma da mão
ando sujo de mim
mas não me perco


II
umidade

tinha a rota desenhada
na argila da palma da mão
andava sujo de mim
mas tinha um norte

mas veio tua fome de loba
e tua língua de chuva
e devorou as pétalas todas
da minha rosa dos ventos

agora saciado e confuso
abro um sorriso de manhã
feito um menino que avistou
pela primeira vez o arco-íris


Os claros sinais da decadência



Já não consigo absorver
novos conhecimentos,
assimilar novos métodos
nem aprender com meus próprios erros.

Os reflexos tornam-se mais lentos,
a capacidade de concentração
está mais dispersa
e a memória revela-se com baixa eficiência.

Mas o traço de decadência
que mais pesa,
que mais abala-me,
é perceber que,
a medida que o tempo escoa,
cada vez aumenta mais a distância
entre eu
e meus objetos de desejo.


Descoberta póstuma


sem saber ao certo o rumo
o meio ou mesmo o fim
sei que sempre insisti na busca
e tenho andado em círculos
mesmo sem sair de mim

e estando cansado
exausto de existir
trancarei as portas
os toscos umbrais de meu mundo
e permitir-me-ei partir

mas quando a rigor
eu estiver ausente
e examinarem meus ossos
meus traços meus sinais
código genético e poucos dentes

descobrirão afinal
e aí já será tarde
que aquele na verdade
não era realmente eu


Epitáfio

à maneira de Bocage

Aqui jaz Carlos Coelho {de corpo inteiro}.
Teve na vida justa, quase apertada,
mais enxaqueca do que dinheiro.



Velhos fantasmas



meus velhos fantasmas
conheço-os todos

espreito-os nos cantos
nos telhados e nos porões
decifro o variado elenco de seus costumes
rotineiros hábitos e velhas manias

estendido o negro manto das horas
arrasto correntes vergo madeiras
abro portas armários derrubo talheres
cochicho sussurros indecifráveis

no soturno grito da noite
sou eu quem perturba seus sonos

Coisa estranha



não sou coisa pública
nem coisa julgada
nem coisa-feita
ou coisa do arco-da-velha
não digo coisa com coisa
e a coisa-em-si
é que não sou lá grande coisa
e é aí que a coisa fica preta
pois sou mesmo é coisa-à-toa

e no fundo não valho
coisíssima nenhuma



Psicografia


não sou mau não sou poeta
nem mau poeta eu sou sequer
sei que não tenho a palavra correta
nem mesmo o dom que esta arte requer

mas quando escrevo estranhos versos
estes anversos avessos & tortos
estou é psicografando entes diversos
as idéias de inexpressivos poetas mortos



 

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